Escrever, viver...


Escrever, viver...qual seu sentido? Para muitos seria uma expressão de dar vez à voz e desta para o mundo: ser ouvido, comunicar, compartilhar – engraçado, nunca se compartilhou tanto e ao mesmo tempo nunca estivemos nos sentindo tão sozinhos.
 
Mas ainda bem que existe a escrita, escrever...talvez seja necessário um mergulho dentro de cada um, mas esta não é uma tarefa interplanetária, complexa e impossível. Ao contrário, ela é uma ação tão simples que teimosamente, nos negamos a fazer.
Todavia, se você não entende o que quero dizer, não se preocupe, pois dividimos a mesma condição, parece engraçado, mas talvez seria dessa torta forma de iniciar alguma coisa, que podemos começar o tal mergulho em si mesmo. Diz um dito popular que uma longa caminhada começa sempre com o primeiro passo. Outro dizer, de fundo espiritual, orienta: ‘conheça a ti mesmo’.
Creio ser este um caminho, uma alternativa para olhar dentro de si, mas teremos que ter coragem pois se esta viagem interior parece interessante, ela ao mesmo tempo requer aceitação daquilo que somos e certamente não podemos gostar de algumas coisas, quando nos encarramos frente a frente com esse eu.
Teremos passagens alegres, leves, trazidas pelos bons momentos; teremos tristes instantes e  momentos sombrios do recôndito do nosso ser; sobretudo teremos desafios, todos os dias de nossas breves existências.
Existe um filósofo dinamarquês do século XIX chamado Soren, ele diz que a vida só pode ser encarada se olhando para frente e só pode ser entendida se olhando para trás. Por vezes, vamos vivendo e em cada lugar ou pessoa, vamos deixando um pouco de nós e estas pessoas e lugares, por conseguinte, vão deixando um pouco delas em nós na doce forma da lembrança.
Me refiro aos amigos – amigos de infância, de escola, de brincadeiras nas ruas, amigos de trabalho, de faculdade, de doutrina: elos de amizades que se fazem e se vão ao sabor das mudanças, tão voláteis e ao mesmo tempo tão profundos esses laços ao passo que hoje, ao fazer como diz Soren, olhamos para frente e para trás nessa vida, mas não mais os encontramos, a não ser dentro de nós.
Parece estranho mesmo, pode até soar como romanticamente bonito isso, mas é doloroso pois cultivo uma série deles que digamos estão em outro plano, partidos assim como um sopro: numa ocasião, ainda que estejam por muitos anos em nossa história, daqui a pouco, não mais...isso faz pensar sobre quão hoje temos a brevidade da vida.
Muitos recorrem aos chamados vícios humanos e deles tentam extrair suas dores e lamentos enquanto muitos evitam esse mergulho dentro de si, mas o escritor disso faz sua letra, o escrever. Antigamente, era comum aos mais velhos nos aconselharem, mas hoje não os temos. Tentamos até aconselhar nossos filhos, mas isso também não é garantia de aprendizado para se viver. Os tempos são totalmente outros e assim buscamos olhar o futuro, viver o presente, mas trazendo em nós referências de um passado que já não mais existe.
Hoje, os tempos são outros porque se vive a quantidade, o individualismo, a exposição -  como se todos numa vitrine estivéssemos para ver a tudo e a todos (e inconscientemente tivéssemos também a necessidade de sermos vistos)  chamamos isso de rede social, quando na verdade não a temos...ela é que nos tem. E se vive assim: num clique, por horas em meio a todos e às vezes sendo visto, mas não notado. Falta-nos hoje a fala humanamente direta (evitada por restrição da pandemia é verdade, mas há tempos também esquecida), olho no olho, a espontaneidade de um bom papo, o respirar da vida.
Carecemos de uma pausa tecnológica para olhar o mundo e mergulhar em si para simplesmente viver. Viver com simplicidade e verdade, poderia ser esse um caminho para um encontro agradável consigo mesmo, aprender a ser-se a melhor das companhias é um bom (re)começo para visitar esse amigo que nunca de nós se separa – nosso eu.
Com certeza tudo isso que já disse é um tanto nostálgico, mas é preciso buscar algo que dê um significado para realmente se viver a cada dia. Esta busca de relembranças pode até ser cafona para muitos, mas sem dúvidas ele é um jeito sincero que buscar onde se ficou pedaços do nosso eu, ao longo do caminho ou até mesmo para facilitar nosso mergulho interior.
 

Luciano Roriz - ALCAI
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