Vendo este corpo (tratar com proprietário)

Vendo este nobre corpo de alma vagabunda,
que a rima pobre e imunda da vida consagrou.
Vendo este suor que escorre do cobre
para lograr dignidade à outra que se adiou.

Vendo este calor tão próprio do amor,
tão próprio do sol para todos os rostos.
Vendo este penhor repleto de satisfações
que aplaca desejos e distrai corações.

Vendo este mundo assim como está,
perfumado de luxo com odor de gambá.
Vendo este mundo assim como é,
nem tão bem da cabeça e bem doente do pé.

Vendo este apelo não por simples desmazelo,
mas pelo cansaço dos aluguéis em atraso.
Vendo este vaso ruim de quebrar,
vaso este que nunca será de altar.

Vendo este peixe pois o gato vem jantar,
antes que coma de graça sem nada pagar.
Vendo este prato-feito em troca de leito
ou confortável espaldar onde possa recostar.

Vendo este veneno de sabor adulterado,
servindo o licor do erro após o fato consumado.
Vendo este fogo-fátuo antes que acabe,
antes que o laço me alcance e o futuro desabe.

Vendo este carnê de prestações ao perdulário
para que pague todo mês pelo preço da insensatez.
Vendo este nobre corpo de alma vagabunda
no bairro da Barra Funda, tratar com proprietário.

São Paulo