Limiar do abismo

"Quando tu disseste que ia embora
meu coração parou.
Nessa parada, tão repentina, bruscamente
o chão faltou-me aos pés.

Os sentidos desfalecendo em minhas pernas,
o desmaio vindo à garganta
e, nessa angústia tanta,
eu parei.

O destino daqueles minutos perdidos
eu desconheço.
A ausência de sentidos 
é tudo o que reconheço
ter havido em mim naquele momento.

Quando tu disseste que abandonar-me-ia
em vão minha boca fingia 
que lhe sorria.
Assim, o esboço mais descolorido e sem vida
(desses que só denotam a infelicidade difundida,
quase desatinada, infinita, escancarada
tão fecunda quanto é inerente a profundidade do abismo)
é a dor que deveras sente.
E se, nesse instante, eu paro e cismo
o olhar perdido no nada,
é que estou morta-viva,
num pesadelo acordada."

Aline Gobeti