Saudades dormidas (no odor de jasmim)

O relógio de pulso parou,
continuou a vida de pulso próprio
a pulsar em outros peitos.
Nesses tantos jeitos de sobrevida,
vai-se a toda brida, vai-se todo o viço.
Esse feitiço não centenário
é curta metragem de metros incertos,
curta viagem pelas paragens do mundo.
Com que rapidez corro
e mesmo se mudo de lugar
o lugar não muda, é o mesmo.
Com que lentidão morro
nessa areia que escorre.
Incorro no erro do eterno
e o terno que me cabe está roído.
Doído é saber do fim desde o começo,
me entorpeço, embebedo, caio.
Levantar? Como? E para quê?
A afronta do dia seguinte
me faz temeroso ao amanhecer.
Esquecer apenas que sou isso,
sou aquilo que não se quer ver.
Prisões, paredes tantas,
pouco chão, pão de ontem.
Riso estreito, frio de leito
e a loucura debruçada no parapeito da janela.
Eram dias e noites sempre escuros,
por trás dos muros de dor reservada.
O tunel não tinha a luz do fim
e o jasmim odorizava um mote ruim.
Velas, terços e missas,
saudades que dormirão com o tempo.
Tempo que amarela, estraga e carcome,
simplesmente some com os vestígios.
Testamento e divisão.
Discussão e discórdia.
Pedras de tropeço são agora, bens de mal uso
no abuso da mesquinhez que me ultraja
peço apenas para que haja misericórdia
com essas linhas guardadas
para o garimpo da arqueologia futura.
Para a dinastia vindoura,
lavoura de meus descendentes.
Para os livros de história
e sua galeria de vultos monocromáticos,
para os museus e seus quadros em paralisia.
Guardo aqui essas palavras
como tijolos para as novas casas,
novos olhos postos em velhos estribilhos,
novos trilhos de pensamentos que ainda serão.

São Paulo