A ESTAÇÃO-(conto)

A Estação
 
                                    A penumbra dificultava a visualização do ambiente. Apenas uma tênue luminosidade que provinha de fachos localizados no teto fornecia a idéia do que seria aquele local. Otavio esfregava as mãos impaciente, esperando que alguém lhe pudesse dizer onde estava ou que o ajudasse a ir para um lugar mais agradável. Não sabia há quanto tempo estava ali, nem ele nem as outras pessoas que caminhavam de um lado para o outro como se fossem zumbis. Estava com muita sede e cansado, mas só o que conseguia era andar em círculos com a mente quase que totalmente vazia, não lembrava o próprio nome. Alguns lampejos de memória redundavam em palavras desconexas e lamúrias inacabadas.
                                    Aos olhos de pessoas normais dir-se-ia que se tratava do purgatório terreno. Dias, semanas, meses, anos, quem poderia determinar o tempo que aquelas criaturas esquálidas estariam ali, desprovidas da caridade divina, marginalizadas pela chamada “sociedade humana”? O que teriam elas cometido pra encontrarem-se naquela situação? Perguntas, perguntas, onde estariam as respostas? Otavio parou por um instante e ficou fitando o vazio enquanto seu cérebro buscava um resquício de sanidade que pudesse vislumbrar a possibilidade de uma fuga ou alguma alternativa que o levasse para longe daquele antro escuro e mal cheiroso.
                                    A sensação de abandono era total, o isolamento, a angustia e a falta de empenho daquelas criaturas em buscarem algo melhor ou pelo menos a tentativa de saírem dali não era um fato que se desse por consumado, afinal, tudo no universo tende à evolução, mesmo nos recantos mais sombrios ninguém está totalmente desamparado. A maioria das criaturas humanas em seu instinto de defesa e sobrevivência costuma enxergar somente aquilo que lhes é conveniente e por esse motivo o sofrimento se instala nos corações e mentes proporcionando o descontrole espiritual. Para que isso não aconteça a renovação se faz necessária, ou seja, teremos que aprender a controlar nossos instintos.
                                    As chances de libertação eram bastante reduzidas devido à fragilidade física de todos os componentes daquele “carrossel de cadáveres”. Otavio não fugia à regra exceto por um pequenino detalhe, em seus constantes devaneios vinha-lhe sempre à mente a figura de uma senhora de cabelos grisalhos, olhos claros que deixavam escapar algumas lágrimas e estendia-lhe a mão como se quisesse libertá-lo daquele sofrimento. A dor, por mais inconveniente que seja traz o beneficio necessário ao nosso crescimento espiritual, e é justamente quando ela se torna insuportável que o corretivo passa a ser aplicado. Nesse momento, os sentidos físicos, saturados pela pressão do inconcebível são substituídos por uma energia que transcende os limites de nossa compreensão libertando-nos do pesado fardo material. Nenhuma daquelas criaturas poderia nas atuais condições imaginar que bastaria uma suplica sincera ao Criador para que ocorresse a interrupção dos degradantes tormentos. Estavam tão impregnados da densa matéria daquele ambiente que não percebiam a movimentação constante de seres iluminados que tentavam auxiliá-los.
                                    Os limites da sanidade já há muito dominava aquela estação de escárnio coletivo, onde os traços humanos quase que desapareceram daqueles seres exilados da luz. Otavio, em mais um lampejo de lucidez visualizou a figura translúcida de Nívea a estender-lhe a destra e dessa vez num gesto quase que mecânico impulsionou o corpo em sua direção no intuito de agarrá-la e quem sabe sair daquele sepulcro repugnante. Sentiu o toque da benfeitora e foi tragado por um túnel de luz indescritível viajando a uma velocidade espantosa. Durante o trajeto que durou alguns segundos recobrou a consciência e começou a ouvir vozes conhecidas. Na seqüencia, abriu os olhos e escutou: - Mamãe, Mamãe, venha depressa, Papai acordou...
         
 
Pedro Martins
19/05/2011

A linha que separa os dois lados da vida é algo que nos intriga e ela só se rompe pela permissão divina. Esse conto é apenas a imaginação de algo que poderia acontecer quando alguem fica no meio termo, ou seja...
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