TEMPO MADURO
 
 
 
Não fosse a vida um caminho de sentido único,
e se os ponteiros girassem em sentido contrário,
voltaria ao tempo do menino de palmo e meio,
tempo em que vida e caminho tinham o tamanho de meu sonho.
 
Se olhava a borboleta beijando uma flor,
via a beleza do mundo na sua delicada fragilidade;
Se olhava o mar na sua vastidão,
via a grandeza do mundo no tamanho do horizonte
e o céu cabia no imaginário dos meus olhos.
Quando via o tio Xico passando à minha porta
arrastando os socos de enxada na mão,
via a dureza do pão na calçada da horta.
 
Ao deitar-me
um sorriso de satisfação adormecia comigo,
pois tudo estava certo, tudo no seu sítio
e à dimensão do meu tamanho
e as pedras do meu caminho
tinham o sorriso e o perfume da inocência!
 
Mas o tempo tem destes desencantos
e na sua ciência e implacável dureza
foi-me dizendo,
que o que via, não era o que via,
o que vejo, não é o que vejo
mas apenas o que querem que veja,
e o que o que me mostram
serve para esconder o que não querem que veja
e tudo está errado e tudo está fora do seu sítio
e à dimensão dos traficantes da mentira.
 
Ao deitar-me
só posso sentir-me iludido
e um desejo de revolta  adormece comigo
no tempo e no caminho que fica sem futuro
sob o tráfico da mentira do tempo maduro!
 
Se a vida não fosse um caminho de sentido único;
Se os ponteiros não rodassem apenas nesse sentido
e o tempo maduro me pertencesse por inteiro
sem dúvida
ficaria para sempre menino de palmo e meio.

 
 

santos silva
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