A TEMPESTADE-(conto)-

A Tempestade

A tarde caía serena. O final do Outono trazia uma brisa fresca que amenizava a temperatura anunciando a chegada do Inverno. Nos movimentos suaves de uma cadeira de balanço observava o Sol que se deitava no horizonte. O arrebol instalado propiciava um espetáculo magnífico. A noite chegava tranqüila. Passados alguns minutos de paz maravilhosa, percebi que a brisa tornara-se fria, aumentando de intensidade enquanto no firmamento apresentavam-se algumas nuvens de estranha aparência. Não me preocupei a principio, pelo contrario, fiquei ansioso esperando pela chuva que há muito tempo não caía em nossa região e de brincadeira pedi que Deus mandasse uma tromba d’água para acabar de vez com nosso problema de seca. Devemos ter cuidado com o que pedimos porque às vezes nossos pedidos são atendidos, e nem sempre como a gente quer. Foi o que aconteceu. Em pouco tempo o Céu se transformou. O vento chegava de forma assustadora, faíscas riscavam a atmosfera transformando a noite em dia. A chuva chegou de forma devastadora. Enxurradas enormes foram criadas em minutos e arrebatavam tudo que estavam em seu caminho. Num sobressalto adentrei minha residência e fiquei na espreita junto à janela. Nesse momento bateu-me um sentimento de culpa, pois eu não havia desejado que aquilo acontecesse? Será que Deus atendera meu pedido? Apelei para as orações, enquanto me desculpava pela brincadeira infame. Uma breve trégua me fez acreditar que a chuva cessaria; ledo engano, Deus não aceitou o pedido de desculpa e dessa vez meu desejo se realizou, infelizmente. As forças da natureza se manifestavam em toda sua plenitude, trazendo o caos à minha pequena cidade. Não tive tempo para raciocinar quando minha residência foi invadida pela nefasta enxurrada. Num movimento ligeiro, consegui chegar ao telhado onde ficaria à salvo por sabe-se lá quanto tempo. Meus familiares haviam viajado e estando só agradeci a Deus por livrá-los daquele pesadelo que estava apenas começando. Seria uma longa noite. Assim como eu, pude perceber que as pessoas conseguiram se instalar nos telhados de suas residências e antes que alguém me pergunte como vi isso, é fácil, lembram-se das faíscas, elas continuavam iluminando a paisagem que se transformara em um arquipélago de telhas. A chuva continuava, agora com menos intensidade; sabe aquela estória de lavar a alma, acreditem, não é dessa maneira que ocorre, mas passados os momentos de desespero inicial, confortavelmente instalados em nossos telhados, creio que assim como eu, todos os habitantes que se encontravam naquela situação começaram a refletir. Sabíamos naquele momento que nossos bens materiais tinham se perdido, teríamos que recomeçar do zero, sabe o que é isso, de repente você não tem mais nada,  apenas a roupa do corpo e sua própria vida? Até nossas residências ficariam comprometidas após a passagem da inefável tormenta. O que fazer? As lágrimas eram inevitáveis. Apesar de tudo, estávamos vivos, por enquanto, restava agora esperar pelo socorro, se ele viesse a tempo. A chuva, antes devastadora, agora era apenas um chuvisqueiro. Em minhas reflexões eu imaginava que estava tendo um pesadelo e quando  acordasse estaria tudo em ordem, eu havia sonhado, é, um sonho mau, só isso. Esse negócio de enchente só acontece na tv e com os outros, não comigo, sou um sujeito à prova de enchentes, eu tentava brincar com meus pensamentos enquanto o tempo passava e o dia começava a esboçar sua presença. Não era sonho. Era sim, um pesadelo real. E o socorro? Quando chegaria? Perguntas que foram respondidas somente ao cair da tarde, pois havíamos sido isolados pela tempestade. Foram necessários dois dias para que todos fossem retirados daquela desesperadora situação. Felizmente nenhuma vida humana foi perdida, Deus sempre sabe o que está fazendo. Fomos levados à cidade vizinha mais próxima onde recebemos todo o auxilio necessário para  nos restabelecermos daquele episódio infeliz. Passados alguns dias tivemos permissão para retornarmos ao local da tragédia e fazermos uma avaliação do nosso prejuízo, o qual já se sabia ter sido total. O cenário era desolador. A cidade teria que ser quase que totalmente reconstruída. Naquele momento as lágrimas mais uma vez nos uniram e o que ocorreu em seguida foi algo inesquecível. As pessoas mais abastadas da cidade poderiam reconstruir suas casa sem nenhum problema ou ainda mudar-se dali para um local melhor, porém, sensibilizadas com a dor alheia, isso mesmo, se o leitor não acreditar, paciência, mas foi o que aconteceu; essas pessoas assumiram o compromisso de reconstrução da cidade, lógico que com a ajuda de todos, mas eles se prontificaram a arrecadar junto aos governantes e nas comunidades vizinhas a verba necessária para a empreitada. Com muito empenho de toda a população, a cidade foi ganhando forma novamente. Os dias passavam rapidamente. Em pouco mais de um ano, após muita dedicação de todos, já estávamos instalados em nossos novos lares, sim, onde antes havia residências, agora existiam lares, eu explico, residência é a construção material, porém os LARES, com letras maiúsculas, só passaram a existir após a tempestade. Durante o período de reconstrução da cidade efetuado em processo de mutirão o envolvimento das pessoas foi tal que os laços de amor e amizade se estreitaram a ponto de alterar-se o nome da pequena cidade para “Novo Lar”. Foram construídas obras que evitariam a possibilidade de novas enchentes, o que foi um alívio para todos. Mais uma tarde serena. De minha varanda fito o horizonte e me recordo daqueles dias intermináveis. Analisando os fatos hoje, posso constatar o beneficio que aquela tempestade nos trouxe. Quando perdemos todos os nossos bens materiais pudemos perceber que eles nada são perante o verdadeiro tesouro que é nossa existência, que na verdade, somos seres criados por Deus para vivermos em sociedade, nos auxiliando através da magnífica força chamada amor. O Astro-Rei espreguiça, lançando seus derradeiros raios. Estrelas surgem no firmamento, não há nuvens, a noite será tranqüila...?   
 

Pedrinho Poeta - Pitangueiras-SP-
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