Eu moro num poema torto.
Assim: cheio de bicos e furos
e perversidades.
O meu poema é meu lar,
alagado e sujo,
com riscos na parede,
sons que não se entende
e devassidão.
Dentro desse poema há mistérios
que ninguém pode desvendar,
há fantasmas malucos
rastejando pelos cantos,
há esqueletos famintos
pendurados pelo teto.
Segunda-feira é hospedaria,
na terça se joga no abismo
que o pequeno poeta cavou
e no resto da longa semana
- que não se decrete guerra -
fecha-se para balanço.
Poema de chuva e enxofre
- onde habito imensurável -
- onde calo em meditação -
- onde indago filosofias -
poema de enxofre e chuva.
Poema criado da cinza
e à cinza há de tornar.
Poema ancorado no céu...
e o céu é seu hangar
Nesse poema há uma porta -
uma porta desbotada falando de amores antigos.
Há uma janela
por onde o mundo nos olha,
há poltronas na sala
onde sentam visitas ilustres:
Vinícius, Mário de Andrade...
é, às vezes, a virgem loura.
Poema embebido em gengibre
o poeta -
desarmado, bêbado e irado -
rápida agonia fronte lateja.
Eu moro num poema torto:
cabeça de cão, rabo de gato.
O meu poema é meu lar,
sem pintura ou idioma, endereço ou lei dos homens.
O meu poema divagação
multidão multidão multidão
ermitão ermitão ermitão.
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