" A Imensa Complexidade do Amor..."

" A Imensa Complexidade do Amor..."

“ (...) O quarto estava escuro, a não ser por uma réstia de luz que vinha da porta entreaberta do banheiro. Martin despiu-se em silêncio. Pouco a pouco, misteriosamente, começou a acontecer alguma coisa. A mulher estava adormecida, sua respiração ressoando tranquilamente no quarto. Abandonados, os sapatos de salto alto pareciam fazer um apelo mudo a ele. A roupa de baixo fora jogada em desordem sobre uma cadeira. Martin apanhou a combinação e o sutiã de seda macia e ficou com eles por um momento entre as mãos. Seus olhos deslizaram até a testa bem desenhada da mulher, os finos arcos das sobrancelhas, que Marianne herdara, e a curva na ponta do nariz delicado. No filho, ele podia localizar os traços dos maxilares, o queixo pontudo. O corpo da mulher tinha seios grandes, embora fosse delgado e ondulante. Enquanto Martin contemplava o sono da mulher, o fantasma da velha raiva desapareceu. Todos os pensamentos de crítica e aborrecimento agora estavam longe dele. Martin apagou a luz do banheiro e abriu a janela. Cuidadosamente, para não acordar Emily, ele deslizou na cama. Sob a luz da lua, olhou sua mulher mais uma vez. Suas mãos procuraram a carne próxima e a dor igualou-se ao desejo na imensa complexidade do amor.”

 

Carson McCullers – Um Dilema Doméstico

 

Eloisa Alves
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