A menina acordava assustada todas as noites - tinha medo de ficar sozinha na cama. Para se acalmar, ela caminhava até a janela e observava o fluxo dos carros, apesar da hora da madrugada, algumas pessoas pareciam simplesmente ignorar que era hora de descansar.
 
Suas lágrimas nem caiam mais. E o quarto, era sua prisão. Todas as noites quando o sono ia embora, ela ficava pensando no que poderia fazer, sentia que teria de tomar uma decisão. Mas logo seus pensamentos eram esquecidos e sua respiração ficava ofegante - escutava passos no corredor. O desespero chegava como um aliciante de sua tensão, todo seu corpo tremia.
 
A porta se abriu lentamente, uma pequena luz entrou pela fresta que surgiu. Olhou para dentro do quarto, abriu um pequeno sorriso de lado, adorava sentir que estava no controle, e adorava ver aqueles olhos amedrontados – deixava-o excitado. Passou pela porta e fechou-a por dentro. Já sabia o caminho do quarto mesmo que não conseguisse ver muita coisa, conhecia cada canto, exalava seu cheiro.
 
Andou até a janela e não disse nada, apenas a pegou pelas mãos.
 
A menina não tinha mais dores, não sentia mais repúdio, apenas limitava-se a ficar quieta. Perdera as forças para espernear, pedir: Por favor – não faça isso. Sua fragilidade e sua idade nunca o impedira de nada, a clemência nunca chegou. As pessoas nunca perguntaram de onde viam os hematomas em seu corpo, e sua mãe nunca questionou o espaço vazio em sua cama – todas as noites.
 
O homem gemia, agarrava seu pequeno corpo embaixo de si, e ainda dizia: - você é minha menina. O ato termina, o homem se veste e sai pela porta – quieto e sem fazer barulho, assim como entrou.
 
Noite após noite ela se consome, tenta entender o que fez de errado para tudo acontecer. Nesta noite, porém, quando ele a deixa, ela olha para a janela e decide dar um basta. Seu pedido de socorro nunca foi atendido, suas palavras nunca foram escutadas. Ela sabe que somente ela pode acabar com tudo.
 
Sem pensar, sem questionar, sem medo e sem volta. Ela vai até sua janela – não olha para baixo, apenas sente o vento em sua face. Abre os braços num abraço eterno para sua liberdade.

...“Este conto é baseado numa notícia que li: De uma menina que sofria abusos do pai e apesar de tentar conversar com a mãe sobre isso, nunca foi ouvida. A única forma que ela encontrou de mostrar o que acontecia, foi tirando sua própria vida – num ato de desespero. Que este fato sirva de lição para todos nós.”...
Marcella Barbosa
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