L A B I R I N T O S ( CONTO )

L A B I R I N T O S  ( CONTO )

 

Pela janela avistava-se a silhueta, indo e vindo, perambulando, luz acessa demonstrando  a vigília e ausência de sono. Destoava o brilho  na torre de um mar de janelas obscuras, escuras na noite, onde todos dormem, menos aquela figura, destacando-se naquele edifício, pequeno farol no escuro da madrugada.

Lampejo persistente, alerta preocupante, meio da noite, de repente, chamando a atenção pela luminosidade destoante do restante, estrela solitária realçada como um ponto na escuridão. Faísca em detalhe no todo de um edifício dormente.

Insone, andar impaciente, passos consumidos, o que ocorria com aquele homem,  num vaivém constante e ininterrupto, sombra babélica a andar à esmo, destacando-se do breu do anonimato como um vagalume ? 

Indolente ente, na solidão  em ânimo doente, ou de si ausente, na saudades de alguém, na distância presente, será ? Apenas cogitações alheias.  Clarão que evidencia a dor de um Ser que sofre em solilóquios, indiferente ao cansaço da vigília que se estende pelas madrugadas. Em que mares navega aquele barco à deriva, em tormentos íntimos?  

Gesticula, andando pelos cômodos, sua sombra em contraste com a luz se desenha pelas cortinas, denotando um ir e vir entre a sala e o quarto, apenas uma imagem de um homem só em suas aflições. Nos gestos  transpira sua dor em gritos mudos, imagem fantasma com a mente inquieta, talvez doidivanas.

Camundongo de laboratório em experimentos, labirintos em intramuros, guerreando consigo mesmo, duelos íntimos. Ecos mudos, irreais, sopitando especulações de sua causa, leme e norte, folha ao vento, barco à deriva, desatinos ?. Quantas impressões passavam aquela visão, na impotência da interferência de estranhos, restava o assistir, compungido, o debate surreal de alguém consigo mesmo.

Mundo íntimo, conflitos em aflitos gritos reprimidos, alucinados gestos, desconexos a terceiros espectadores. 

Postado na janela, a retina como a registrar o movimento das ruas, pausas raras entre o ir e vir pelos cômodos, na impassível postura de desatento observador. Vislumbrado, parecendo atento e a um só tempo alheio, à vida que acontece além.

Da janela, vê-se a rua e da rua vê-se o homem, debruçado no parapeito, a tudo assiste parecendo que nada vê...como do convés de um navio, na altivez de um comandante e na distância da indiferença. Nos vagos gestos, olhos distantes, parece absorto em devaneios, entre um cigarro e outro.

Seria um tresloucado, um louco prestes a algum ato suicida ? Tênues fios delimitam a sanidade. Do sano, certezas, convicções. Do insano, desvarios, alucinações, Ser que vagueia entre duas estações, obscuras e claras, na mente açodada, estreitos caminhos, desvios trilhados em ilusões e enganos... 

Mente desprevenida, desatenta, fisgada pela depressão, inoculada, sutil como um ofídio, insinua e abocanha, leva a paz, é tristonha. Descolore a luz, embaça, tira a graça é enfadonha, suga energias e exaure,aproxima-se  malsã imperceptível, esgueira-se e domina. Abismos em dores, anônimos sintomas, diagnósticos e cismas. Diáfana e maléfica, contaminando, virulentas chagas na alma. Entorpece, anestesia em profunda melancolia, trevas em profusão. Achega-se à vítima, a doença a entrelaça, são duas e únicas, numa conjunção simbiótica, hospedeiro e parasita. Cadafalso e verdugo, no fio da navalha, sanidade em risco.

Um solitário na imensidão de semelhantes, ilha na multidão, caminhos iguais, destinos diversos, caminhantes do mesmo tempo, em mundos paralelos, experiências e dores,  cicatrizes e crescimentos...

Quedará vencido pelo torpor do sono e cansaço antes do raiar do dia, para viver  no amanhã que nasce a sua história de pacato cidadão no emaranhado das funções que a vida coloca neste palco de inúmeros papéis a serem vividos e desempenhados,  entre atos sucessivos e intermináveis... Até o fim !

 

** Publicado em livro em antologia de contos, editora CBJE, Rio de Janeiro, RJ.