PÁSSAROS MIGRANTES

 
 
 
Pássaros migrantes fazem suas viagens sem esboçar traços incertos, mas aquilo que se observa há muito migrou para fora de nossa existência.
 
Abro os portões ao Cavalo de Tróia querendo por fim à minha fortaleza, porém, após o saque e a tortura, retiram-se piedosos para aquartelarem -se em maior exército.
 
Sei que o final de meus dias virá, mas no momento é apenas um dos pássaros incertos que tento abater com um tiro daqui de dentro.
 
Pois, se de modo radical, a existência não consegue ter um aspecto puro, então, se misturarmos bem, veremos que o sabor adquire o gosto de tudo.
 
O veneno não precisa ser evitado, deve provocar o mais requintado prazer, precisa, por descuido, ser sorvido em pequenas gotas repetidas, para que ele deixe de migrar a nossa volta, a fim de não cansar os olhos na pontaria.
 
Se me deito em folhas brancas e espinhosas é para partilhar daqueles momentos do riso alheio, construo a boca aberta de espanto, desenho os dentes cerrados, dilacero os lábios em riscos de arado, e, tendo à minha frente o sorriso de dentro, beijo esse alheio no espelho de mim mesmo.

MARCELO GOMES JORGE FERES
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