Educando a Solidão

Educando a solidão
Espero finalmente poder encontrar
Um pouco de paz.
Dormir enfim, descansar,
Insone e sofrido.

Se já não posso mais
Encontrar amor em teus braços,
Nada me resta senão,
Esperar poder fazer da solidão,
Minha insistente companheira,
Dócil e obediente criatura.

Do canto escuro do quarto
Ela me observa,
Com olhos de quem me quer mais;
Ronda, procura sua caça.
Bicho selvagem, alimenta-se
Dos sonhos, das visões que tenho de ti.

Toda noite ela volta,
Fiel e amarga assombração.
Toda noite, ela me pergunta
Se já desisti,
Se ainda procuro tua imagem,
Vívida lembrança, última dádiva,
Que ainda guardo de nós.

Educando a solidão aprenderei
A ser mais paciente,
A saber apagar tua imagem
Que vejo entre a folhas do jardim.
Aprenderei ainda mais,
A ignorar tua voz,
No vento e nos ruídos
Que a casa faz.

Aluna e professor, sabemos,
Que as aulas serão longas,
Exaustivas;
Que não é possível
Apagar tua marca
Das coisas que toco
E me cercam;
Coral de sinais, sussurros,
Que ecoam teu nome.

Professora e aprendiz,
Ela também me ensina:
Que devo eliminar a lembrança,
Borrar teu nome,
E te esquecer, menina.

Mas eu hesito, e me pergunto,
Como perder um sentimento
Que me assoma e me domina?

Árdua escola a vida é.
O que mais temo
É o dia da graduação.
Eterno escolar, procuro
Disfarçar meus erros
Como quem corrige versos
Escritos nos dias,
Páginas de uma lição,
Que teimo em não aprender.

Pois insisto em fazer
De você o meu melhor engano.
Secreto mimo
De quem não deve,
Não pode,
E deveria saber melhor,
Mas que sabendo deixa,
Inconsumível paixão
Tomar conta.

Educar a solidão
É buscar a disciplina
De amar a frio e à distância.
Imaginária dança,
Em que passamos um por outro
Sem tocarmo-nos.
Impassíveis,
Em nossas rotas divergentes.

Ausentes, tu e eu
Fazemos um do outro
Uma lição de abandono.
O que não houve
E não haverá
Define nossa relação,
Imutável, distante.

Teatro de estátuas
Vemos os dias a escoar.
Nada fará,
Barcos que passam
Um pelo outro na escuridão,
Com que toquemo-nos
Um ao outro, como amantes
Que buscam consolo
Ao desterro de nossos corpos.

Vai, trilha tua estrada.
Aonde ela leva eu não sei.
O que aprendi contigo
Não esquecerei,
Muito embora já minha professora
Lá do seu canto balance a cabeça
Em desaprovação.

Educando a solidão,
Ela me educa.
Saberei deixar tua imagem
Sumir no horizonte
Como quem vê
Seu último por de sol.

Uriel da Mata
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