A menina e o anjo (narração)

A menina e o anjo (narração)

Ela estava deitada em sua fria cama de madeira, triste, sozinha, sentia que tudo que conhecia havia mudado. Não reconhecia as pessoas, seus pais, não conhecia nem a si mesma. Idéias insólitas trafegavam por sua mente delicada, estava atormentada, e a todo tempo era perseguida por seus medos.

De certa forma ela não sabia o quão importante ela podia ser, ou pelo menos fingia não saber. Embora conhecesse e interagisse com pessoas, seu único verdadeiro amigo era um caderno inacabado com histórias tolas de sua lembranças perdidas. Sua única libertação estava em seus pesadelos, pois até mesmo esses, eram menos assustadores do que ela achava ser sua própria vida.

Cada segundo deitada, pareciam uma eternidade. O baque de sua vida vinha com força total e a empurrava como uma sacola em meio a uma tempestade de ventos. Não que já tivera esperança alguma vez, mas nos últimos dias, essa parecia ainda mais distante!

- Um pouco de água deverá me ajudar a pegar no sono. – Pensou
Levantou-se devagar, não queria que seus pais acordassem, não saberia explicar as marcas de choro e as olheiras que se estampavam em seu rosto. Seguiu em direção a cozinha, que assim como o tempo (que custava a passar), parecia tão distante, por hora ela chegou a pensar em desistir e voltar a sua cama.

Não que a casa fosse grande, mas o corredor que ligava seu quarto a cozinha, para ela, mais parecia uma caverna perdida onde monstros terríveis a espreitavam em cada porta. Não foi exatamente coragem, ou força de vontade, ela se deixou levar com os olhos fechados, passo-a-passo e chegou a cozinha, sentiu-se tomada por um alivio de ter conseguido. Abriu a geladeira e pegou um copo d'água. Quando se virou,

- Olá minha querida!

"Droga, meu pai", pensou. Porém conforme sua visão se adaptava ao escuro, a imagem se tornava mais nítida. Na verdade, o que ela achava ser seu pai, era um homem semi despido.
 
Fechou os olhos fortemente na esperança de que aquilo fosse uma alucinação, mas então ouviu novamente:

- Não tenha medo menina, estou aqui pra ajudar!

Abriu os olhos lentamente e a imagem continuava lá, agora destacada por uma luz misteriosa que iluminava-o todo. Era um homem alto, por volta de 190 cm, seus olhos, embora castanhos, brilhavam de forma tão distinta, seus cabelos eram longos e esvoaçados, quase que todas as mechas arrepiadas. Ele trajava apenas uma calça preta, estava sem camisa e ficou bem claro o motivo. Este possuía escuras longas assas na costa, deveriam ter entre 3 a 4 metros de ponta-a-ponta.

- Vo...vo...você é um

- Anjo?!, é o que costumam dizer!

- O que faz aqui?

- Eu não sei ao certo, apenas senti que deveria vim, e vejo agora não está errado!

Ele se aproximou da menina e ergueu o rosto dela em direção a luz que vinha de seu corpo deixando a vista as marcas de tristeza.

- Você chora, mas chora por que?
 
Ela não fazia idéia do que responder, estava amedrontada, mal conseguia soluçar algumas letras soltas. E então ele continuou:

- Uma vez um homem me disse que é certo a hora certa de está certo, e será que este é o momento certo pra suas lágrimas, minha querida?

A menina respirou o máximo de ar que conseguiu e tomando coragem, respondeu:

- Se é certo ou não, há quem importa? As pessoas não ligam pra nada que está próximo, elas simplesmente só sabem magoar, e fazem isso muito bem.

O anjo abaixou a cabeça por alguns instantes, como se quem concordasse com tudo dito, e de cabeça abaixa, sussurrou:

- Posso não ser o maior dos intelectuais, nem conhecer todos os sentimentos humanos, mas sei e entendo o que está pensando, e acho também saber o motivo.

- Sabe??? - Perguntou a menina com um tom sarcástico.

- Sei!

Ela postou o corpo pra frente em uma postura agressiva, porém quase chorando:
 
-         Não, você não sabe de nada. Você não faz idéia do que é acordar todos os dias e perceber que ainda está viva. Você não sabe o que é saber que aqueles que deveriam te compreender mais que todos mal sabem dizer qual é sua cor preferida. Você não sabe o que é tentar ser notada ou como as pessoas tratam umas as outras. Não, você não sabe mesmo de nada, como pudera? Se tão pouco sabe me dizer o que você é!

O anjo que ficara com a cabeça erguida, frio, como se entendesse palavra por palavra e soubesse que naquele momento a unica coisa a fazer era ficar calado, ergueu novamente sua cabeça e com uma frieza no olhar respondeu:

- Tem razão, eu não sei!

- Só isso? Um "você tem razão"?

O anjo virou sem responder, seguiu em direção ao corredor e ao passar pela porta, parou, virou um pouco o rosto e falou:
 
-         Embora você recuse a acreditar, neste mundo existe e existirá pessoas que te amam e que nem tudo será exatamente como queremos que seja. E sim, só um "você tem razão" é suficiente, do mesmo modo como nem tudo é como se quer, não se pode saber como será!

Terminando suas palavras, voltara o rosto pra frente e olhando pra cima, desapareceu em um bater de suas assas. Não havia saido por alguma janela, nem mesmo voado, desaparecera ali da mesma forma com qual surgirá!

A menina estava sozinha novamente, perdida com aquelas palavras. Então, abatida por seus próprios pensamentos, caiu.

Ao cair ela acordou, tudo não passou de uma ilusão? Abriu os olhos e estava em seu quarto, deitada por cima da coberta, com seu caderno ao lado exatamente como na noite anterior. Não se sabe ao certo se foi o sonho, ou apenas uma noite de sono bem dormida, mas ela acordou como nunca, e embora pra aqueles que assistem de fora, possa não parecer muito, durante o café da manhã, ela quase ameaçou um sorriso!

As vezes é preciso que um anjo apareça em nossas vidas pra que possamos arriscar sorrir novamente...

Dedicada a uma grande pessoa...