Ontem eu vi um poeta fazendo um violão falar: um profeta da canção, semeando a rima no ar; um artista de verdade (raridade hoje em dia), um alquimista da poesia e da melodia e da dissonância e da harmonia. Ele falou de esperança, mas eu me desesperei na dança sem lei dos seus dedos mágicos, músicos, silenciofágicos. O próprio ambiente ficou diferente pra ouvir o dedilhar: ficou mais perene, mais reverente, mais solene; e sem vacilar e sem queixa ele preenchia aquela deixa com sua arte e fantasia, empregando com maestria cada parte do instrumento, abusando da voz, do dedilhado violento e veloz, do acompanhamento, de tudo; e nós ali, mudos, sem respirar (nossa respiração não era de ar: era de canção, era de inspirar), sem reação (pra que reagir?), querendo ficar, tendo que partir. Armado de um poema perfeito e de uma música sublime, o sujeito mudava de tema, mudava de rima, mudava de filme, mudava de clima; mudou o mundo, e emudeceu, e eu mudo, captando tudo, achei aquilo absurdo, inconcebível; perdi a calma; bati palmas gritando: "BRAVO! INCRÍVEL!", e desfaleci, escravo daquele talento impossível, imprevisível. Passou só um momento e ele foi embora com seu instrumento falante, e eu impotente, delirante, repeti por aí afora com firmeza, endoidecido:

-Exibir tal destreza devia ser proibido!...

Foi lindo.

João Alexandre, homem de Deus!