Anjos existem
 
I
Deus me deu um anjo, e eu o feri
Covardemente e tão levianamente o feri
Feri pela virilidade do homem confuso,
Feri pelo fulgor intenso do meu ser complexo
 
Mas, confesso Deus! Fui homem ruim aos teus olhos
Enviaste-me uma relíquia tua, e eu a profanei
Ele, sem armas, sem seu escudo de prata, veio a mim.
Cuidou-me, dêu-me vida, deitou-me ao lado, sem medo, sem angústia
E eu o feri...
 
Deus, por que não me deste a perfeição,
Não queria ser vil como os outros homens
Queria ser mais, queria ser o teu filho idealizado.
Mas sou homem,  como outro qualquer!
Que se cala à dor incompreendida, por perceber que não é perfeito.
 
Anjo, anjo! Se estás pelas nuvens, desces, perdoa-me...
Compreende minhas facetas, minha mortalidade
Crês que sou dúbio, frágil, permissivo às inconstâncias
Perdoa-me anjo!
 
 
II
 
Me aflige  pensar em um ser tão perfeito
Ao teu lado, pareço pedra, sem valor
Serás, assim, monumento do esmero divino?
Isso que me consterna, pensar que existem anjos ao meu redor
Anjos que falam, anjos que sentem...
 
E se tudo for falso, se tudo for aparência
Obra ilusória, pintura de superficie, sem tons profundos?
Oh Deus, usas-te da mais pura beleza para me persuadir?
 
Mas, encontrei? Sim, encontrei!
Foi árdua a trajetória a amizade verdadeira, profunda...
Mas é possível anjos existirem? Sim, é possível!
 
Descobri pelo frescor da alma, pela singela expressão do falar.
Anjos não mentem, são sinceros naturalmente por que, obrigados a dizer a verdade, nos ensinam como é amar.
 
Amar por ser desprovido de armas,
Por acreditar que jamais os feriríamos,
Sem escudos, confia-nos seu coração
Deixa-o aberto ao cultivo do bem
 
E eu, assim como tu, anjo, acredito que existe, que és real
A dúvida sempre fora esta anjo: “Por que me escolheste?”.
A te merecia? Não sei... Tua presença me faz bem, transforma-me
Se o projeto divino era mostrar-me que anjos existem, acredito
Tiraste toda angelicalidade para me tocar
E tocou-me, tocou-me a um humano que esperava por ti, ansiosamente.
 
III
 
Eram olhos de anjo, sim! Eram sim...
Alma velada, um anteparo ofuscante!
Reluziu lá dentro a vida, eu vi!
 
Era um anjo, que estava na terra, à salvaguarda dos povos.
Escondia suas asas, a face de prata, ocultava sob o véu de luz!
Não podia contar-me, mas era anjo, eu vi!
 
Enrubesceu de repente, empalidecendo o rosto áureo.  
 Fitou-me com estranheza, de modo assustadiço.
Podia vê-lo, atrás do escudo nobre que recobria sua imagem
 
Resguardado, selou-se um contrato
Sua inxistência aparente, dizia o olhar, era necessária.
Fazia parte dos planos divinos, de há muito realizados
 
O anjo só poderia viver pelo desconhecimento humano
E, de súbito, inesperamente, enteou um falar impreciso, numa linguagem incomum
 “Se tu tens amor por mim, não revelas meu segredo, mantém fechado, lacrado
não compartilha com ninguém.Não sejais torpe, vil, indivíduo egosíta. Contenta-te  em contemplar-me!
Resignadamente, dexei-o!
Compreendi que ele era projeto universal, não meu!
Vai anjo, ganhas o mundo, vence guerras, suplanta o horror, e fazeis todos felizes, mesmo que meu coração te quisesse perto...
 
 
 
 

Jonathas Emanuel Guimarães de Assis
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