VÁ PARA O INFERNO COM TEU AMOR.

 
Baseado em fatos quase reais.
 
Era um amor possível  mas a distancia naqueles tempos de lombo de cavalo, bicicleta ou nos casos piores a pé mesmo afrouxava paixões  e tornava aquele vizinho ou vizinha do ser amado um  perigo  potencial. O  pai da donzela  (havia), quando a coisa começava a ficar séria  e o pretendente já havia se animado a pedir permissão ao velho para a ventura de namorar em casa, marcava horários severos para que o casal se conhecesse melhor, geralmente aos  sábados,  para não atrapalhar a rotina da época em que se dormia cedo e acordava-se mais cedo ainda.

 
Livio,  sujeito desapetrechado de quaisquer atrativos  físicos, tão normal que mais parecia um anormal,  encantou-se com Cida,  donzela juramentada,  primogênita de uma prole de mais cinco mulheres. As famílias de ambos eram amigas  levando-o a achar que namora-la e casarem-se seria tão fácil quanto passar manteiga em bigode de gato ladrão. Ledo engano.
Descobrindo-se apaixonado passou a endereçar-lhe  olhares que, antes furtivos, passaram a ser ostensivamente enlevados como se estivesse diante  da visagem de uma santa. Fazia de tudo para ser notado, contava lá suas vantagens quando ela por perto, enfrentava exércitos, andava sem medo pela estradas assombradas   cheias da parentalha do Satanás, enfrentaria Lampião, Corisco e Dioguinho se vivos estivessem e, garantia, entregaria os três amarrados num  feixe só  aos  meganhas. Tinha, no entanto, um medo danado do não de Cida, que namorava embora ela não soubesse,   confessando aos amigos que,  recusado seu pedido de amor eterno, acabaria sua vida como toureador e, caso morresse,  seria nas guampas de um touro bravo. Que paixão!
Nessa lida ficou uns dois anos, marcação cerrada, visitava a família da amada de vez em quando nem que para isso tivesse que arrostar três léguas a pé no poeirão da estrada, morava distante. Chegou a dormir lá, quando chovia ou tarde se tornava para o retorno. E ela nada, nem retribuía os olhares melosos que ele endereçava.
Um dia, a decepção. Numa festa domingueira do padroeiro do distrito ele a viu toda sorridente em animada prosa com Petrus, vizinho dela, não tão distante. E  não foi só prosa não, com um mês namoravam em casa, com três ficaram noivos, com seis casaram. Ruiu o castelo de Livio.
Fiel a promessa ele esperou a passagem de qualquer circo de toureada por aquelas bandas, coisa que vez por outra acontecia.  Quando passou Zé Ribeiro (Posteriormente campeão em Barretos) e sua troupe, candidatou-se ao picadeiro de capa  e aquelas roupas dignas de qualquer “El Matador”,  disposto a fazer no distrito um espetáculo digno de uma corrida de touros em Madri. Por sorteio coube-lhe um marruá de maus bofes e pior, chifrudo demais da conta.
Já no picadeiro Livio começou a questionar-se se aquela era mesmo a melhor maneira de morrer de paixão. Não teve muito tempo para autocritica, abriram o brete e ele se viu encarado pela criatura mais perversa de sua  ciência que, dando três cafungadas e cavando o chão acolchoado de palha de arroz, partiu para parti-lo. Livio foi esperto, desviou-se, o boizinho  passou triscando.  Aplausos!  Animou-se e recuperando o equilíbrio voltou a encarar o desafeto. Foi infeliz, na segunda passada o novilho deu-lhe  um tranco, um dos chifres o pegou de raspão, lado esquerdo,  nas costelas,  levando sua camisa e uma lapada  de pele,   desaforo  que o fez jogar a capa, pular o alambrado e desaparecer na praça gritando morri. Vaias...
Foi encontrado por amigos em uma  farmácia no outro dia em busca de uma pomada cicatrizante. Perguntado se iria firmar carreira como toureador, mandou:
-Vou nada,  ardência e estrago de chifre de touro é vezes  sem conta maior  que o chifre da Cida.
 

BUENO
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