Meu corpo qual um caderno
E tua boa escrevia em mim
Doces e calientes versos
Nas minhas páginas de ébano
Letras com torpor se destacando
Na sua ode feita à marfim
 
Modelando minha forma inerte
Colhendo o licor espalhado
Após derreter a cera
Fechando a obra de arte
Avassaladora sua mão carpia
Após ler em mim cada pedaço
 
Com frases que só tu constróis
O texto batido, relido, retinto
Ganhava sempre nova roupagem
Nova interpretação na rouca voz
Destacando novas nuances
Como se não fora antes visto
 
E o que leu ganhou vida
Desafiando a força da gravidade
Reencontrou a sua meta
Face, riso, olhos, boca
Trazendo à tona toda a graça
Da alma que era dor, a felicidade
 
Meu corpo um verão de saudade
Num pé reescrito meu nome
O sexo esfriando num outono
No peito vestígios da festa
Onde antes frondosa primavera
Agora é um inverno de fome

 

André Ferreira
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