TEJO PRESO, TEJO SOLTO

 
 
“TEVE PENA DA ROLINHA
QUE O MENINO MATOU
MAS DEPOIS QUE TORROU A BICHINHA,
COMEU COM FARINHA, GOSTOU.”
 
 
    Fazia um calor arretado no pé da serra do Araripe, naquele sábado do começo de 1980, e metade da dotação da agência do Banco do Brasil de Exu, cidade do sertão de Pernambuco, cozinhava dentro do fusquinha de Zé Easton, todos a caminho do Crato, no Ceará. Era mais uma das viagens da “Legião Estrangeira”, a turma de funcionários adidos que aportava na terra do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, para trabalhar na nova  Agência do BB.
    Tinha mineiro, carioca, e até gaúcho, Tchê! Uma turma animada, sempre disposta a conhecer melhor a terra e a  gente do Nordeste. Com a temperatura acima dos 40 graus, ninguém estranhou a Rural parada no acostamento da estrada de terra. E paramos atrás. Afinal, podia ser algum cliente da Agência. Bastou um galão de gasolina para resolver o problema do desconhecido, que agradeceu muito, prometendo para breve uma visita à agência  e um presente.
    Ninguém lembrava mais do caso quando, alguns dias depois, um senhor de chapéu de couro, a pele queimada pelo sol nordestino, entrou agência adentro com uma grande caixa de papelão debaixo do braço, ainda agradecendo o favor prestado. Aberta a caixa, dois olhos de um verde frio e desconfiado passearam pela agência , sem demonstrar interesse por nada. Nem pelo terror dos “estrangeiros” diante do desconhecido, nem pelo olhar guloso de alguns nativos.
    Dentro da caixa, um fóssil vivo nos contemplava, um grande lagarto conhecido como teiú o Tejo, negro, quase adulto, com a longa cauda a dar chibatadas enquanto se remexia, inquieto com a corda de sisal atada por trás de suas patas dianteiras.
    Discutimos o destino a dar ao presente e, em respeito à maioria e às tradições gastronômicas locais, ficou acertado que o suculento animal (para alguns)  seria preparado e degustado na pensão de Dona Ceci, onde moravam os solteiros da agência. Ao Caburé, o menor aprendiz da agência, tão sertanejo quanto o seu apelido, coube escoltar o animal.
    Mal se pôs a caminho o nosso Caburé, louco para lambiscar alguma coisa com cajuína, quando a consciência ecológica de plantão na agência, o carioca Clênio Castanôn, sai em defesa da espécie ameaçada. E faz uma proposta ao Caburé: Você solta o animal que eu te dou um dinheirinho... Mas nosso militante ecológico não contava com a reação das bases. Ao voltar de mãos abanando, Caburé deixa todos arretados.  O seu Walter não faz por menos, e apela ´para a hierarquia, ordenando: Vá capturar a fera novamente!
    Tombos daqui e dali, e o bicho acabou nas mãos de Dona Ceci, mãos benditas, já provadas e aprovadas em buchada de bode, capote assado, inhame com carneiro ou cabrito, e outras tantas delícias sertanejas. Frita, a carne deliciosa macia e branca daquele dinossauro portátil ainda enfrentou um certo preconceito. Alguns cheiravam sem provar, outros deixavam de lado, mas, à medida em que a tertúlia se animava, o tira gosto ia ganhando adeptos.
     Lá pelas tantas chega o Clênio, e diante do festim macabro, acusa, pleno de indignação ecológica: Caburé, você não soltou o animalzinho? E o menor, saciado de Teiú e cajuína, ainda se saiu com esta: Oxente, seu Clênio! Soltar, eu soltei, mas ninguém me disse que eu não podia pegar o bicho de novo, disse?
 
Essa é uma história do tempo que não volta mais.
Quando eu andava pelo Brasil. Trabalhando naquele Banco do Brasil.
 
Abraços Oscar