Essa história não começa  com "era uma vez", porque ela existiu de verdade, não que as outras sejam invenções, mas para esta, deveria   haver uma fórmula diferente de se iniciar,  porque foge aos contos de fadas e  entra na realidade dura e fria das famílias que sofrem a violência, o descaso e a discriminação.

Morro do Amorim, Rio de Janeiro, década de 70. Walmir Nardacci dos Reis vivia com sua mãe e seus seis irmãos, o pai havia ido embora, abandonara uma mulher linda,  que parecia a "índia dos lábios de mel" , aquela que José de Alencar registrou em sua obra Iracema: " tinha os cabelos mais negros que a asa de graúna".

O pai não deu endereço  e nem pensão, mudava de emprego, como mudava de camisa, para que a justiça não dividisse seu parco salário com a família.

A Mulher bonita cortou seus lindos cabelos, comprou uma calça comprida e arrumou emprego numa fábrica de produtos plásticos.  Passava muito tempo no trabalho, fazendo horas exras,  para sustentar os filhos. Naquela época, mulher abandonada pelo marido era sempre a culpada.

Walmir foi crescendo, sem assistência, sem amparo, sem a presença de uma família organizada. O beco era a sua creche e os "colegas", seus professores.

Um dia chegou em casa carregado por outros. Quando a mãe colocou-o sentado, caiu de cabeça no chão. Estava viciado em maconha.

Que tristeza pode ser maior para uma mãe,  do que perder o filho para o mundo das drogas?

Walmir, pela sua boca carnuda e seu olhos verdes, era conhecido como "Peixinho". Passou pelo Padre Severino, transformou-se no que se chamava de "marginal", começou a ficar muito bom em tudo o que fazia. Foi amado e odiado ao mesmo tempo.

Sua casa, por vezes era invadida por grupos rivais. Os irmãos, às pressas, escondidos em casa de parentes.

O Maior trunfo de Walmir era sua escopeta, arma mais cobiçada de seu tempo. Com ela, subia e descia a ladeira, exibindo-a como se fosse um trofeu.

Mas,  numa noite, enquanto todos dormiam, a 21ª Delegacia de Polícia, invadiu a casa da mulher bonita para capturar o seu filho e deixar em situação vexatória todos os demais que dormiam o sono da inocência.

Se naquela época houvesse um jeito de se compreender melhor o outro, o Menino Escopeta estaria vivo! Ele era a vítma não o culpado. Era apenas um menino, criado em  família sem suporte, amparo, oportunidades...

Se o Menino Escopeta  tivesse uma chance, não morrería aos dezoito anos. Antes, escreveria um livro contando a sua história; e eu não precisaria contar essa história por ele.

Eu, Selma Nardacci, irmã do Peixinho de boca carnuda e olhos verdes.

 

 

Selma Nardacci dos Reis
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