Do sossego no desassossego...

 Guardo comigo todos os momentos bons que imprimem na mente inefáveis razões que fazem a vida valer a pena, exceto aqueles que o tempo não me permite lembrar e, sem qualquer consentimento, os leva de mim. Lembranças dos sorrisos largos, dos lançados no ar sem medida, dos displicentes seguidos de longos beijos. Do movimento dos lábios quando espargia palavras sem sentido na direção do outro só para ouvir os sons que meu amor existencial precisava. Do pressentir, toques e calor, que habitava-me o corpo antes que as portas se abrissem. Guardo os breves segundos eternizados juntando-os como tesselas unidas pelo sangue. Os suspiros ao bater dos ponteiros esgotando o tempo. O gosto de liberdade das lágrimas presas desatadas nos momentos de ternura. As notas do rodapé e lateral das páginas com canetas coloridas, as carinhas de sorriso e corações alados. As palavras atreladas ao silêncio das alegrias e mágoas, num porque faltavam, no outro porque calavam. Guardo os olhares displicentes flagrados pelos corações amanhados que, sem dificuldade, os perturbavam. As linhas derramadas a esmo nos cadernos empilhados nas gavetas. A ansiedade da espera que apertava o pescoço. Os nós desfeitos às custas do abraço. Talvez a necessidade da pronúncia expire a fala guardando os guardados. Talvez as reticências fiquem cerceadas pelos parênteses. Talvez as antíteses se entrelacem e se associem. Não importa. Suportar talvez seja suportável, porque o soterrado nem sempre morre e depois que a gente anda sobre as nuvens, de alguma forma aprendemos a voar quando elas disseminam. E entre guardados, livros, ansiedades, tédios e desfastios a essência aprimora-se, abrindo espaço para mais lembranças.


Cris Campos

Cris Campos
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