SIMETRIA


Selma Nardacci


Quem tem filhos gosta de casa grande e arejada. Que acomoda bem a família e não fica aquela confusão de tudo amontoado.
Há pouco tempo, tive a oportunidade de morar numa casa muito espaçosa, lá no Largo do Machado. A garagem acomodava vários carros, o jardim era um mimo, a cozinha cabia a mesa grande e o terraço correspondia a casa toda.
Vez por outra, trago à memória os momentos de conforto que a casa me proporcionava.
O quarto do casal era a parte que eu mais gostava. O espaço era generoso. A cama ficava no meio da parede. Era um luxo! Mesinhas dos dois lados da cama e tapetinhos quentinhos para estacionar as pantufas.
Eu acordava de um jeito diferente, sem atrapalhar ninguém, sem derrubar nada, espreguiçava sem correr o risco de dar com os braços nas paredes. Abria a janela de vidro fumê e ninguém imaginava o tantinho de roupa que eu estava usando enquanto me dirigia à suíte.
Sim! Tinha suíte! E sonho de pobre sempre foi suíte. E eu adorava! Por isso eu me sentia uma rica naquela casa. Eu era a Rainha da Suíte. Colocava nela todos os apetrechos de perfumaria e tinha a certeza de que ninguém iria tirar casquinha dos meus produtos de beleza.
Mas aí, tudo mudou... E agora estou aqui, nesse quarto pequeno, com a cama encostada na parede para que os outros móveis possam ser acomodados.
Tapetinho?! Só de um lado da cama.
Mesinha?! Só de um lado da cama.
Agora, tentem descobrir quem dorme no canto da cama com a cara virada para a parede?
Às vezes, me sinto aquela criança que fez bagunça e que a Supernanny colocou no cantinho do pensamento.
No primeiro dia que arrumamos o quarto, Sampaio fez igual aqueles cachorros que marcam território:
- Eu tenho que dormir na ponta. Você sabe que levanto muito durante a noite, ainda tem a minha garrafinha de água e o telefone, por isso, preciso da mesinha.
E eu, ao contrário dele, fiz igual a Pollyanna, de Eleanor H. Porter, no “Jogo do Contente”:
- Tudo bem. Eu durmo no canto.
Entretanto, só quem dorme no canto sabe como é difícil levantar enquanto o outro ainda está dormindo. Você se arrasta como uma cobra, com o bumbum para cima, até chegar aos pés da cama. E aí, não tem chinelinho, tapetinho, só uma porta, que varre tudo para debaixo da cama.
Outro dia, só de propósito, para perturbar o Sampaio, deitei na beirada e fingi que já estava dormindo.
A coisa ficou preta! Ele me cutucou e disse:
- Você está no meu lugar. Você sabe que eu preciso dormir na beirada da cama por causa da minha garrafinha de água... E eu acordo muito para ir ao banheiro.
Na hora, esqueci o “Jogo do Contente” e abri o verbo:
- Não Senhor, eu estou dois anos me arrastando como cobra, dormindo de cara para a parede, como se estivesse de castigo. Agora eu é que vou dormir na beirada da cama.
- Está bem! Mas saiba que eu vou te acordar para pegar as minhas coisas.
- Não vai não! Coloque tudo lá no cantinho da parede.
- Ah! É assim? Então, vou contar para minha irmã, como você está me tratando.
- Conta, conta tudo! Pode contar a vontade e se ela não gostar, eu devolvo você para ela e ainda fico com a sua parte da cama.
Ele foi diminuindo, ficando mansinho... Na certa, ficou com medo de ser devolvido. Mas como não desiste nunca, ainda saiu com essa falácia:
- Você não entende como as coisas funcionam, quando um homem e uma mulher caminham juntos, o homem fica na beira da rua e a mulher no cantinho, protegida dos carros.
- Sim, eu fico tanto no cantinho, que os cachorros quase me devoram, nos portões das casas.
E a discussão continuou...
E pensar que eu já fui a Rainha da Suíte.

Selma Nardacci dos Reis
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