Onde está a saudade  
que circunda estas paredes
e eu não sei como me livrar?
Já tentei pintando-as
pensando que era umidade
ou mofo que se acumulava
na tintura fria doutros anos.
Há uma muralha de branco
refletindo a luz da lâmpada
direto na minha cara,
detalhe por detalhe do reboco
se descortina e o quebra-cabeça
das emendas da construção
parecem formar um nome
se arrebatando da minha direção,
do seu rastro só o cheiro
da tinta nova envelhecendo
e a água da chuva escorrendo
em finos filetes pela janela,
a saudade, meu Deus,
será que está nela?!
Tateio intrigado, bato a porta,
corro pra fora, quero viver
o que quer que me espera!
Aqui dentro destas paredes
com o sol pela janela,
as folhas murchando no pátio,
a comida fumegando na panela,
arroz, feijão, carne assada,
suco de cartela,
lavar as mãos, lavar o chão
assistir a poha da novela,
onde está a saudade
que eu sempre sinto dela?
Vontade de esmurrar o portão
bater cabeça, crânio, coração,
acabar de vez com esta prisão
e deixar-me livre na singela
cessação das vozes, dos risos
guiar-me às apalpadelas
para longe da saudade, desvanecer,
dormir, definhar, morrer,
qualquer coisa melhor
que esse perigo
impregnado nas paredes,
agora compreendo o fim destas...
era um pequeno aparte de mim
que cresceu junto com ela
durante as nossas conversas
nos bares, nos jorges, nas festas
que agora, independente ao risco,
quer de volta
o que quer que tenha sido
e não pestaneja de se imiscuir
onde não estejas,
aqui e lá não faz diferença;
é a vogal alta depois da mais baixa
do nome que me fugira
versos atrás,
é um substantivo
precisando de paz,
é um verbo que conjuga  
desistir jamais,
é um adjetivo de pura beleza.
Não há nenhuma estranheza
confundir-se tudo
na língua portuguesa!

Diego Duarte
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