Alguém Na Pele De Lobo

 Noite brumosa, dia enferrujado ou estranha tarde...

Não importa em qual parte do dia, apenas uma coisa é certa:

Existe alguém vestindo a pele de lobo e com a cara aberta

Mostra-se ao mundo e na mandíbula, cada presa arde...

 

Espreita cada passo alheio, cada possível vítima.

Percorre instintivamente a trilha selvagem do predador

E a cada cordeiro abocanhado, vem à boca, da mentira, o sabor

Estranho e salgado até à sede como a água marítima...

 

O lobo tem o brilho no olhar, antegozando o que há-de saciar sua fome...

Quando, como uma sombra, ele deixa a paisagem noturna

Sua fúria colérica e devorante demonstra a raiva taciturna

Que a cada coração e espírito, honestamente, consome...

 

Como o lendário lobo mau das infantis fábulas

Sempre o veremos como o vilão, o enganador de chapeuzinhos vermelhos.

Mas ele é um reflexo do que somos nas imagens de espelhos

E mascaramo-nos como cordeiros e inventamos parábolas...

 

Há alguém na pele de lobo, sei que há alguém...

Saindo da toca da mentira, descartando um possível esconderijo

E uivando a liberdade do que é em suma em um desejo rijo

De mostrar as presas e morder a hipocrisia além e além!

 

A boca tingida e à mostra, de sangue vivo e ruivo.

"Sim, devorei e ainda hei de devorar muitos porquinhos!"

(Para quê hesitar em se fartar de todos os ideais mesquinhos?).

Vai solitário, sem alcatéia a avisar que chega com seu uivo.

 

Esgana, dilacera, prende, abocanha, rasga com as garras

(Sei que há alguém na pele de lobo, em meu espírito eu sinto...).

Não engana e nem é enganado, este é o seu supremo instinto

E da morte ele traz em seus dentes as mortais bocarras...!

 

Vemos no lobo o algoz a comer cordeiros, vemos insanidade...

Eu vejo no lobo uma imagem distinta e em dizer não me acanho...

Livre da hipocrisia e falsidade, não é ele quem realmente guarda o rebanho?

Sei que há alguém na pele de lobo, pronto a assumir toda a verdade!