DESEJOS INCONFESSÁVEIS (conto erótico)

DESEJOS INCONFESSÁVEIS  (conto erótico)

De natureza fechada, acabrunhado, parecendo inexistir ainda que estando presente, arredio. Assim era Arquimedes, possuidor de uma timidez que o distanciava do convívio com os demais. De olhar baixo, parecendo temer ser percebido, passava por não ser notado, tal talvez fosse sua intenção. Trabalhava naquele pensionato feminino, fazendo serviços gerais, sempre às voltas com seus apetrechos, o balde e a vassoura. Encontrado invariavelmente no seu mister a percorrer extenso corredor mantendo o chão limpo, recolhendo os cestos de lixos depositados pelas ocupantes, estudantes universitárias que alugavam os quartos. Falava em monossílabos, sempre que provocado a dar alguma resposta, cabeça voltada para os pés, posição servil e subalterna. Embora jovem e de feições normais, dado ao seu proceder, tímido e retraído, não o consideravam como pessoa normal, apenas alguém que executava pequenas tarefas, passando quase despercebido na maior parte do tempo. Testemunha de fatos que consideravam por ele como despercebidos, e nele não tinham ressonância a terceiros. De tão distante e alheio passava a ser desconsiderado como uma pessoa masculina, razão para não se incomodarem muito, as pensionistas, com sua presença, permitindo-se atitudes íntimas mesmo ele estando por perto... Não era novidade deixarem as portas entreabertas, em trajes sucintos e despreocupadas.  Embora de uma discrição a toda prova, fechado em si mesmo, ele era jovem e saudável, com os hormônios em ebulição , ocultando-se em seu íntimo um vulcão prestes a eclodir, lançando lavas. Sua mente ocultava seus anseios, em olhares dissimulados a entrever cenas ousadas das belas ocupantes daqueles cômodos. Então, na intimidade, se revelava um macho imaginativo e tendo cada uma delas como personagens de seus sonhos, reprimidos e inconfessáveis. Em sussurros manipulava-se, tendo-as, em seus braços.Julgava vê-las sorrindo satisfeitas a olharem-no com ares de conquistador, em frenesis , desnudas a desejá-lo, almejando o prazer , sem pruridos e tramelas, a mente buliçosa criando fantasias profanas, onde as tinha sensuais e pecadoras, em ânsias de cobiçador, vicissitudes em lampejos, de impudica paixão lacaio, carências e súplicas em dor...Seu íntimo insano e atrevido, um furacão abrasador, devastador, desconhecendo rótulos e modos, as imagens de suas deusas cobiçadas a desfilarem em sua passarela de desejos, imaginando-as, uma a uma. Tantos corpos, macios e ardentes, como lobo a espreitar as gazelas, tantos embustes detrás daquele personagem apalermado.

Rotulava-as de acordo com a numeração dos quartos. Sabia horários, costumes, até as roupas que usavam nos dias da semana. A nissei Myura, de quem admirava a discrição, os cabelos lisos e escorregadios, sua preferência por saias, sua beleza nipônica, seus olhos apertados e seu sorriso melindrado. Identificavam-se no proceder moderado, mas avantajava-se sua figura em seu imaginário despudoroso. Haveria naquela quase menina um Ser oculto, como ele mesmo, talvez tão incendiária quanto as suas intenções recalcadas ? A observava sedenta, nua, com sua cabeleira escorrida por seu dorso níveo, antevendo seus mamilos imberbes e sensuais. Sua beleza oriental desabrochando uma amante diferente, uma gueixa a ser domada, um desafio. Seus olhos o olhavam de passagem, respeitosa, numa saudação protocolar de bom dia, boa noite... Mas ecoavam como canções aos seus ouvidos, sussurros e convites a alimentarem suas ilusões inconfessáveis. Tinha com ele que ela o queria muito além de um servidor insignificante, talvez faltasse a ela vencer suas barreiras e se confessar. Sabia bem o que era aquele muro intransponível chamado timidez. Esteve por duas vezes em seu dormitório, para trocar uma lâmpada e desentupir a pia da suíte, momentos em que viu um pouco de sua intimidade no varal interno do banheiro, com suas peças íntimas. 

Os compartimentos dividiam-se em dois andares, sendo dez cômodos em cada um deles, tudo a cargo de sua vigilância e diligência. Mulheres jovens, de etnias diversas, todas catalogadas em seu universo pessoal, escolhendo-as a cada noite para protagonizarem seus sonhos libidinosos, momentos em que se revelava um insaciável varão, sedento por todas. Dizem que na noite todos os gatos são pardos, no sigilo das madrugadas ele se transformava no guardião daquelas beldades, falante e cantador, contrariando sua recatada condição de anônimo. Então naqueles eróticos cenários extravagantes de orgia e sexo, ele reinava absoluto, único entre as divas, harém exclusivo. As ocupantes da pensão lembravam as estrelas da bandeira nacional, quase todos Estados representados, com suas peculiaridades, sotaques e hábitos regionalizados. A baiana de riso largo, ancas redondas; a mineira de fala cantada e caipirizada, cabelos em cachos e olhos espertos; as sulistas de tez e madeixas claras; as cariocas mais debochadas, alegres e estabanadas; As nortistas do Amazonas  e do Pará, falando de seus hábitos e costumes e de suas culinárias diferenciadas, queixando das saudades de sua gente. Ali se encontravam por ser uma cidade cosmopolita, capital maior, de muitas possibilidades de ensino e de trabalho.  

Chamado para uma das diversas e pequenas emergências, viu-se no quarto de uma delas; como tentasse tirar a danificada resistência do chuveiro, tirou a camisa para não se molhar. Seus ombros ficaram visíveis, e, de costas, não passou despercebido pela mineira, a lhe fazer gracejos. Acostumado a ser despercebido, demorou-se a sentir as intenções da garota, ou, talvez, embaraçado, não acreditasse nas insinuações dela... O fato é que os olhos da moça, atrevidos, denotavam sua carência, e o bíceps do macho açularam seus desejos, permitindo-se ao varão. Só deu-se por convencido das intenções ao sentir suas mãos espalmadas em suas costas, com um arrepio a percorrer o corpo todo...  Não precisaram argumentos, juntaram-se as necessidades, e viveram momentos tórridos e arrebatadores, onde o que menos importava era o funcionamento do chuveiro. Afinal, nossos antepassados, Adão e a Eva, não necessitaram de manuais, apenas da tentação da serpente... A menina da terra do pão de queijo era a de número sete, na rotulação de suas escritas pessoais.

Mais discreta a aproximação com a de número vinte, a nissei. Esbaforida com tanto volume a carregar, consentiu que ele a ajudasse a subir os degraus do andar superior com seus livros e compras de mercado. No ambiente, ficou aguardando ela guardar seus mantimentos, sem saber o que fazer. Foi lhe oferecido um chá feito na hora, e o tomaram em mutismo verbal, porém os olhos os traíram. A sós no aconchego do quarto, o gelo foi quebrado e a delicadeza nipônica revelou-se em uma gueixa ardente, momentos ardorosos tendo as quatro paredes como testemunhas.

Arquimedes, discreto e de bíceps tentador, comemorava a sua segunda conquista, quando a paulista, vendo-se desiludida com seu namorado, passionais como ficam nessas condições, abriu-se em confidências, compartilhando seu coração, seu corpo e seu edredom, em instantes memoráveis e ousados... 

 Ele sentiu de que para elas era um faz-tudo a extrapolar seus afazeres cotidianos, um homem disponível e confiável.  E passou a tê-las, sempre em seu conveniente silêncio.  A carioca, de número dezesseis, mais despachada, o recolheu do corredor quando fazia a faxina, chamando-o e pregando-lhe um estupendo beijo convidativo, nessa não houve poesia alguma, apenas o desejo palpitante e voraz.  Até mesmo a bela do quatorze, de quem desconfiava de sua preferência sexual, deitou-se em seu leito, a suprindo de carícias e de calor, se tinha outra inclinação não soube, a conheceu sedenta e lasciva, em várias oportunidades.

Algumas, mais recatadas e não menos insaciadas, exigiram momentos específicos, como a japonezinha; para a maioria, contudo, foi como efeito dominó (será que elas se confidenciavam ? Falariam de sua performance, muito além das habilidades com os baldes e vassouras ?) Talvez fosse ele mesmo, revelando-se menos embrutecido e temeroso, e mais exposto e desejoso que as atraíram, afinal era um macho dentre tantas fêmeas com iguais desejos...

Criações oníricas e eróticas de um homem carente e solitário, apenas um discreto faxineiro; ou, verdadeiramente, deitou-se com todas as pensionistas ?  Apenas desejos satisfeitos em sua solidão, na carência e imaginação, ou a concordância de anseios entre ele e elas ? Difícil saber, afinal ele era de sigilo sepulcral...

DESEJOS INCONFESSÁVEIS, meu 107º texto publicado em livro na ANTOLOGIA CONTOS DE OURO, editora CBJE, Rio de Janeiro-RJ, junho de 2018.