Eu fui, agora a pouco, guardar o carro na garagem que alugo de um vizinho (sem nomes) e ele estava comemorando(não sei bem o que), tomando umas e outras. Me convidou, ainda de copo na mão, no que eu, educadamente, declinei. Hoje é terça-feira e ele já está comemorando (bebemorando pra ser mais preciso). Comemorou ontem (também não sei o que) e, com certeza, vai comemorar amanhã, quinta e sexta. Sábado e domingo, sem falta, por que sábado e domingo é mesmo dia de festa.
Fato é que para alguns, todo dia é dia de festa. A vida, para eles é uma eterna comemoração...
Eu moro em uma ladeira. Bem no alto de uma íngreme subida e conseqüente descida. Todas às tardes, uma senhora de "prá lá dos seus sessenta anos" (não sei bem a idade) passa com um carrinho de supermercado, cheio de papelão, plástico e outras quinquilharias que ela recolhe pelas latas de lixo deixadas nas calçadas. Tem tanta coisa naquele carrinho, que eu quase não acredito como ela consegue equilibrar. Sem exageros, a figura dela evoca a lembrança do deus grego Atlas, equilibrando o mundo nos ombros. Da mesma forma, a velha senhora equilibra a vida naquele carrinho. Tudo que não tem valor para as outras pessoas, mas para ela, vale o pão, o remédio, a roupa... vale a dignidade.
A dignidade é uma coisa da qual eu não poderia deixar de falar.
Há tanta dignidade naquele rosto envelhecido e maltratado pela vida. O olhar resignado, mas firme, atento às “desinportâncias” tão importantes que as pessoas atiram fora e ela recolhe.
Não sinto pena. Sinto admiração, respeito, orgulho...
Não vejo miséria. Vejo poesia.
Vejo tanta poesia naquela velha e digna figura. Naquela história de vida que se recusa a desistir, mesmo que todas às chances estejam contra ela. Vejo uma celebração à vida. Ao que existe de belo e importante e que nos move adiante, sempre, não importando o que seja necessário para prosseguir vivendo:
Vejo integridade!
Meu saudoso pai dizia que algumas pessoas vieram ao mundo a trabalho, enquanto outras, a passeio...
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