Quero mergulhar na imensidão da noite
Sucumbir nos gemidos de agonia
Sentir o vento que açoita tão cortante
Pedir auxílio à lua que mingua
A dor que vem aqui é como um tombo
Arrebata toda a força e a confiança
E faz-me debater querendo luz
Desesperado numa pobre dança
Do corpo se erguendo do pó
Dignidade contra a vergonha
Se me ferir vai fundo e maltrata
Atinge a alma com sua peçonha
Arfando feito gato fugitivo
Numa viagem louca pelos becos
Grunhindo a pressentir o perigo
Lutando para dominar o medo
Procurando socorro sem ser visto
Enxotado por olhares de desprezo
Incomodando o mais desapercebido
Num frenesi de olhos tão ligeiros
Vigiando a retaguarda à cega
Pela frente um muro cheio de espinhos
Arranha-me a tentar tomar-me a pele
Faz escorrer meu sangue como vinho
Nem sinto que tira minhas vestes
Dilacerando como uma navalha
Os cortes não provocam dor no corpo
A dor está na mente e invade a alma
Onde está você que não me salva?
Onde está você que não me salva?
Pergunto em vão ao céu como numa reza
Que responde praguejando trovoadas
Não sei se o que procuro está perdido
Dentro de meu olhar ou preso no vazio
Do mar de emoções em que naufrago
Mas não perco o foco de teu brilho
Na busca incessante inconformada
Almejando a paz de um porto certo
Nadando cansado pelas ondas
Que me levam sempre a mar aberto
Onde está a sereia do meu mar?
Guia-me com seu canto pela noite
Pois sei que de amar não tenho medo
Só temo dormir só sem teu alento

Salvador, minha casa

André Ferreira
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