Sou o espantalho bizarro do meu próprio terreno: eu mesmo me amarro num pequeno poste e esvoaço meus retalhos no espaço, no vento, pra espantar as hostes de predadores violentos com os horrores da minha figura, da minha feiúra, minha estranhez. Perdura minha ocupação, mês após mês, vez após vez, nessa contemplação estática do desenvolvimento natural, sem questionar se a tática é funcional...
(Pra que saber se funciona? Espantalho não questiona! Espantalho espanta!)

E cada semente que se planta eu vigio reverente, e anuncio mudo que virá ao mundo um fruto da minha dedicação!
(No vazio, só eu escuto ecoar minha anunciação... E o que eu queria? Espantalho não anuncia! Espantalho espanta!)

Quando se levanta a ameaça, embora eu faça tudo que possa, o fato é que eu não posso nada. Nem me debato, nem faço graça: só espero a hora em que o tempo passe (sempre passa!), e os pássaros vão embora. Na verdade, em silêncio, às vezes penso que não tenho utilidade...
(Faz diferença? Espantalho não pensa! Espantalho espanta!)

É tanta ansiedade que eu choraria em profusão (ah! se eu tivesse um coração...) Mas - crueldade - não tenho pranto, nem fonte, só solidão. Da minha fronte escorreria tanto choro profundo que inundaria os vales, os montes, os cantos do mundo; e correria a história dessa lágrima quente, e inglória, e santa...
(Mas não há corrente... Espantalho não sente! Espantalho espanta!)

Ao menos acalanta a plantação deste terreno uma canção que eu mesmo compus. Ela traz luz e motivação pra quem quer que a ouça; ela comunica força até ficar rouca... Mas nunca fica, já que eu não tenho garganta pra alcançar os dós (ou qualquer outro tom): em alto e bom som, me falta voz...
(De que adianta? Espantalho não canta! Espantalho espanta...)