A cópula dos mortos

 
Morto, caminhando entre mortos.
Uma carne viva, uma vida morta.
Vivo em um corpo vivo
sempre ansiando por coisas,
coisas que já nascem mortas,
abortos embalados pela canção
da cegueira infinita bailando
sobre os corpos dos prazeres
em cópula com todas as dores
enquanto abrem o meu peito e lambem
sugando o sangue do meu coração,
do meu trêmulo coração sem vontade.

A cada desejo, a mentira da vida...
Tão suculento, coxas úmidas,
lábios e línguas…
Fantasmas com máscaras de Vênus
e os louros de Apolo, sendo tudo
mas nunca sem polos.
Sou corrompido pelas alturas,
violentado pelos de baixo.
Se olho pra cima e grito:
Salve-me!
O decote do mundo desvia o meu olhar.
Quando dou por mim estou no quarto escuro
entre os lábios de Babilônia, mundana Babilônia,
embriagado pelo perfume do mundo,
fazendo juras de amor, achando que eu a penetro,
quando sou penetrado de todas as formas e grito: Mais!

Ela se aproxima da minha face,
seu hálito doce, seus cabelos serpenteantes,
e nos seus olhos frios, sem vida como um espelho,
vejo refletido a mim mesmo
e com horror percebo que não existo,
sou apenas ela que olha para o vazio
dançando sobre os cadáveres da vida,
sem vida, sonhando tudo.

 

Clareses
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